Quaderns de Psicologia | 2024, Vol. 26, Nro. 1, e1972 | ISNN: 0211-3481 |
https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1972
Fernanda Bittencourt Romeiro
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Elisa Kern de Castro
Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz (Portugal)
Mary Sandra Carlotto
Universidade de Brasília
Resumo
A comunicação clínica, com foco nas competências emocionais, é uma habilidade que requer treinamento devido à necessidade de reconhecer expressões emocionais dos pacientes e dar uma resposta adequada. O objetivo deste estudo é apresentar uma ferramenta para avaliação da comunicação emocional dos profissionais de saúde, abordando as principais definições teóricas sobre a temática e pesquisas baseadas em evidências que aplicaram a ferramenta Codificação de Verona para Sequências Emocionais (VR-CoDES). Baseado numa pesquisa de levantamento bibliográfico, o estudo analisa a comunicação emocional dos profissionais de saúde e o uso dessa ferramenta, tendo em vista que a comunicação é a componente chave na alta qualidade do tratamento, com impacto na satisfação e adesão dos pacientes. O estudo discute a importância do reconhecimento de pistas e preocupações emocionais de pacientes em tratamentos de saúde e destaca as lacunas e desafios sobre os treinamentos de habilidades de comunicação emocional nos contextos de saúde.
Palavras-chave: Comunicação em Saúde Profissionais de Saúde Emoção Expressa VR-CoDES
Abstract
Emotional communication in health is a tool to improve communication skills regarding the need to recognize patients’ emotional expressions and give them an adequate response. This study aims to show a tool to assess the emotional communication of health professionals, addressing the main theoretical definitions and evidence-based research that applied the Verona Coding Definitions of Emotional Sequences (VR-CoDES) methodology. Based on bibliographic research, the study analyzes the use of the VR-CoDES on emotional communication of health professionals, considering that communication is the key component in the high quality of treatment, with an impact on patient satisfaction and compliance. The study discusses the importance of recognizing patients’ emotional cues and concerns in health care and highlights the gaps and challenges in training emotional communication skills in health contexts.
Keywords: Health Communication Healthcare Providers Expressed Emotion VR-CoDES
Nos contextos de saúde, a comunicação clínica, com foco nas competências emocionais, é uma habilidade que requer treinamento devido à necessidade de reconhecer expressões emocionais dos pacientes e dar uma resposta adequada. O aprimoramento das habilidades de comunicação e evidencia a necessidade de reconhecer expressões emocionais dos pacientes (Castelhano e Wahba 2019; Theys et al., 2020; Thuraisingham et al., 2023). O reconhecimento das emoções dos pacientes por parte dos profissionais de saúde pode auxiliá-los a aumentarem a qualidade da comunicação nos seus atendimentos, impactando na adesão, satisfação e bem-estar dos pacientes (Finset, 2011; Hafskjold et al., 2018; Kissane et al., 2012; De Vries et al., 2017). Os comportamentos verbais e não verbais são elementos essenciais no cerne da comunicação emocional, tendo em vista que os pacientes nem sempre conseguem expressar preocupações emocionais explícitas e as pistas subjacentes à doença precisam ser exploradas (Coelho e Galan, 2012; Gorawara-Bhat et al., 2017). Apesar dos profissionais de saúde priorizarem o cuidado humanizado, pouco reconhecem a comunicação não verbal como um tipo de verbalização que pode indicar a expressão de desconforto do paciente (Cruz et al., 2023; Ramos e Bortagarai, 2012).
Baseada na dimensão biopsicossocial, a comunicação dos profissionais de saúde deve ser centrada no paciente, reconhecendo as preferências, incentivando a tomada de decisão compartilhada e estabelecendo uma relação de empatia (D’Agostino et al., 2017; Diamond-Brown, 2016). Os profissionais de saúde da atenção primária, por exemplo, são expostos diariamente a situações de estresse e precisam lidar com o sofrimento dos pacientes de maneira assertiva e empática (Pinheiro et al., 2020). Quando os profissionais de saúde identificam e gerenciam os aspectos psicológicos sinalizados pelo paciente como angústia, tristeza, ansiedade e medo, os pacientes se sentem compreendidos e apoiados (Zimmermann et al., 2007). O tempo limitado das consultas ou a pressa na realização dos procedimentos pode ser um fator que impede que os profissionais de saúde explorem os sentimentos dos pacientes (Del Piccolo et al., 2015). No que tange à formação dos profissionais durante a graduação e cursos técnicos, parece haver uma desintegração entre a prática e o ensino de habilidades de comunicação que favoreçam uma comunicação mais efetiva com os pacientes (Rosenbaum, 2017). O treinamento de habilidades de comunicação como uma estratégia educacional possui eficácia na modificação das atitudes dos estudantes da área da saúde, principalmente da medicina (Moura et al., 2019; Rocha et al., 2019).
Pesquisadores (Zimmermann et al., 2011) da área de comunicação em saúde desenvolveram a ferramenta Verona Coding Definitions of Emotional Sequences (VR-CoDES), que permite codificar expressões emocionais de pacientes em consultas clínicas e avaliar como os profissionais de saúde respondem a essas expressões (Del Piccolo et al., 2011). A aplicação da ferramenta permite avaliar a interação profissional-paciente e codificar pistas e preocupações emocionais e as respostas do profissional de saúde (Finset, 2011; Zimmermann et al., 2011). Essa ferramenta vem sendo aplicada e testada em diversos contextos da área da saúde, como oncologia, pediatria, enfermagem, nutrição, odontologia, farmácia, oftalmologia, psiquiatria e, inclusive, no contexto veterinário (Eikenhorst et al., 2020; Ortwein et al., 2017; Del Piccolo et al., 2012; Park et al., 2019; Vatne et al., 2010; Vijfhuizen et al., 2017; Wright et al., 2012; Yin et al., 2020). Entre 2011 e 2023, após o desenvolvimento da ferramenta, foram publicados mais de 50 estudos na área da comunicação emocional nos contextos de saúde (Otte et al., 2022 ; Del Piccolo et al., 2017; Romeiro et al., 2023). Grande parte desses estudos envolve diferentes especialidades médicas e de investigação da relação médico-paciente em situações de doença crônica. Outras especialidades de saúde utilizam a ferramenta para aprimorar os cuidados com os pacientes e favorecer uma comunicação mais empática e efetiva. No Brasil, a ferramenta foi utilizada recentemente no contexto oncológico, investigando como os médicos respondem às expressões emocionais dos pacientes em tratamento (Romeiro et al., 2020; 2023).
A partir do exposto, o objetivo deste estudo foi apresentar uma ferramenta para avaliação da comunicação emocional dos profissionais de saúde, abordando as principais definições teóricas sobre a temática e pesquisas baseadas em evidências que utilizaram a ferramenta VR-CoDES. Baseado em uma pesquisa de levantamento bibliográfico, o estudo analisa a comunicação emocional dos profissionais de saúde por meio dessa ferramenta, tendo em vista que a comunicação é um componente-chave na alta qualidade do tratamento, com impacto na satisfação e adesão dos pacientes. Por fim, o estudo discute a importância do reconhecimento de pistas e preocupações emocionais de pacientes em tratamentos de saúde e destaca as lacunas e desafios sobre os treinamentos de habilidades de comunicação emocional nos contextos de saúde.
O conceito de comunicação emocional deriva da teoria das emoções tendo em vista que é um processo de influência mútua do processo interacional em que profissionais de saúde e pacientes se expressam de forma verbal e não verbal (Bartsch e Hübner, 2005; Theys et al., 2020). Reconhecer e explorar as emoções dos pacientes sobre a sua condição de saúde e indicar a ação terapêutica de modo que contemple as preocupações envolvidas, pode melhorar os resultados de saúde (Barbosa et al., 2019). A revelação de diagnóstico de câncer, AIDS e outras doenças crônicas, pode gerar impacto emocional negativo para os pacientes, exigindo manejo emocional dos profissionais de saúde para além da provisão técnica da informação (Andrade et al., 2014; Bourquin et al., 2015; Park et al., 2019).
Uma revisão de literatura (Dean e Street, 2014) reuniu estudos sobre o gerenciamento das emoções de médicos em consultas clínicas com pacientes com câncer e desenvolveu um modelo conceitual de três estágios para auxiliar os médicos a enfrentarem de maneira mais eficaz os desafios de reconhecer, explorar e gerenciar o sofrimento emocional dos pacientes. A comunicação, quando bem estabelecida, pode impactar na autoeficácia do paciente com manejo de doenças crônicas e redução da intensidade da dor (Ruben et al., 2018).
Em 2006, vinte e três pesquisadores de sete países (Inglaterra, Holanda, Noruega, Suíça, Alemanha, Itália e Estados Unidos) reuniram-se em Verona para participar do 4º workshop por convite da rede “Verona Network on Sequence Analysis”, organizado pela Universidade de Verona (Del Piccolo et al., 2006). Nesse, os pesquisadores chegaram a um consenso sobre como classificar as respostas dos profissionais de saúde às pistas e preocupações dos pacientes. Os pesquisadores se encontravam anualmente para discutir sobre como avaliar a comunicação emocional e, sobretudo, orientar profissionais de saúde sobre as emoções dos pacientes em relação à doença e ao tratamento (Zimmermann et al., 2007). Em 2011, a ferramenta foi desenvolvida e publicada pelo grupo de pesquisadores associados à International Association for Communication in Healthcare [EACH], organização global dedicada a explorar e melhorar as formas pelas quais os profissionais de saúde, pacientes e familiares se comunicam (EACH, 2018).
O VR-CoDES possui versões em língua inglesa, italiana, portuguesa e chinesa (Del Piccolo et al., 2011; Pais e Figueiredo-Braga, 2017; Yin et al., 2019). A ferramenta possui dois manuais VR-CoDES- CC (cue/concerns) e VR-CoDES- P (professional) para descrever como as pistas/preocupações emocionais dos pacientes e respostas dos profissionais de saúde são codificadas. Além disso, conta com um guia para orientar a divisão da consulta em unidades de análise da interação profissional-paciente. Uma vantagem da utilização da ferramenta VR-CoDES é que o instrumento possibilita uma avaliação quantitativa das expressões emocionais e das respostas dos profissionais de saúde. O instrumento possui boa confiabilidade e concordância entre juízes codificadores de 92,86%, Kappa de Cohen de 0,90 (0,04) e p < 0,0001 (Del Piccolo et al., 2011). A ferramenta é confiável para codificar expressões emocionais de pacientes e pode instrumentalizar o treinamento dos médicos no desenvolvimento da empatia, identificação da angústia e manejo (Finset, 2011). Por outro lado, o sistema de codificação é insuficiente para codificar comportamentos não verbais, gestos e expressões corporais, restringindo-se a analisar somente pistas de expressões não verbais como choro e silêncio (Kale et al., 2013). Estudos que utilizaram a ferramenta buscaram identificar pontos de intersecção entre a ferramenta e habilidades como a comunicação centrada no paciente (Del Piccolo, 2017), os estilos de apego, a influência da inteligência emocional nas respostas dos profissionais de saúde (Cherry et al., 2018) e empatia (Bonvicini et al., 2009; Finset & Ørnes, 2017; Krystallidou et al., 2018).
Em geral, os pacientes se expressam por meio de pistas subjacentes e não explicitam diretamente as preocupações como o medo e ansiedade. Por essa razão, dificilmente os profissionais de saúde conseguem reconhecer as preocupações subjacentes dos pacientes e acabam por não comentar o aspecto emocional relacionado à preocupação dos pacientes (Korsvold et al., 2017; Park et al., 2020). O VR-CoDES orienta como é possível identificar tais preocupações emocionais implícitas e quais respostas podem favorecer espaço ou incentivar o paciente a se expressar melhor.
O VR-CoDES CC (cue/concerns) define uma preocupação como uma expressão clara e inequívoca de uma emoção atual ou recente desagradável em que a emoção é explicitamente verbalizada (ex., me sinto ansioso/estou preocupado/me sinto triste) e uma pista como a queixa verbal ou não verbal do paciente que sugere uma emoção desagradável subjacente, mas que falta clareza (ex., estou a explodir/isso é tudo inútil/choro/revela situação de estresse/não tenho apetite; Del Piccolo et al., 2011, 2006; Zimmermann et al., 2007). O instrumento utiliza como critério que as preocupações emocionais sejam atuais e presentes nas últimas quatro semanas. As pistas subjacentes são divididas em sete subcategorias (a, b, c, d, e, f e g), em que cada uma exemplifica essas queixas verbais ou não verbais, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1. Descrição de sete tipos de subcategorias de pistas emocionais (VR-CoDES CC)
Subcategorias |
Descrição |
Pista a |
Expressão verbal parecida com uma preocupação, mas para diferenciá-las, considera-se as expressões vagas e inespecíficas dos pacientes (ex. estranho, mais ou menos, esquisito). |
Pista b |
Sugestão de uma emoção implícita em que o paciente expressa suas emoções através de metáforas (ex. “estou quase a explodir”, “é tudo inútil”), ou exclamações para sugerir um estado emocional. Porém, se o paciente verbalizar sentir-se inútil, a expressão é categorizada como uma preocupação. |
Pista c |
Indica uma expressão verbal com um caráter fisiológico relacionado à emoção (ex. sono, náusea, dores em geral. Neste caso, não basta o paciente verbalizar o desconforto físico, é preciso dar ênfase à expressão de emoção subjacente (ex. “não durmo muito bem”). |
Pista d |
Indica que o conteúdo verbal é neutro e se refere a circunstâncias ou vivências potencialmente estressantes. Um exemplo retirado do manual para explicar a definição desta pista: “a frase ‘tenho câncer’ não é codificada como uma pista se for parte de um diálogo em que o paciente simplesmente presta informação médica. |
Pista e |
Indica repetição do conteúdo em que existe emoção e o paciente repete por sua própria iniciativa uma expressão verbal neutra. A codificação desta pista depende de uma intervenção igual anterior em que o paciente suscita novamente a expressão que utilizou. |
Pista f |
Codificada como uma pista não verbal, em que o paciente faz alguma expressão de um comportamento não verbal (choro, silêncio, pausa na fala). |
Pista g |
Reflete uma emoção explícita, de uma preocupação expressa no tempo verbal passado (ex. há mais de 4 semanas ou num período incerto da vida). Essa pista pode ser identifica sempre que o paciente faz alusão a um período difícil de sua vida, e até mesmo de sintomas do tratamento. |
As dimensões do VR-CoDES-P (profissional), de respostas explícitas e não explícitas, permitem avaliar se os profissionais fornecem ou reduzem espaço para as expressões emocionais dos pacientes (Del Piccolo, 2017). A aplicação do VR-CoDES-P é confiável e viável quando se utiliza a diferenciação de respostas de “fornecimento” e “redução de espaço”, como duas formas de comunicação em que o profissional abre espaço para o paciente se expressar ou fecha o espaço (Ortwein et al., 2017). O manual contém uma descrição detalhada de respostas do profissional de saúde que são distribuídas em 17 codificações (Pais e Figueiredo-Braga, 2017; Del Piccolo et al., 2011). As respostas são categorizadas em explícitas ou não-explícitas seguidas da função de prover ou reduzir espaço às expressões emocionais do paciente. Aspetos do comportamento não verbal podem ser analisados a partir dos itens: a) distância social, distância horizontal e distância vertical; b) contato visual; c) expressão facial: sorriso, franzir da testa, mímica facial; d) movimentos da cabeça: acenar, abanar; e) postura corporal: inclinação para a frente, inclinação para trás; f) toque; e g) tom de voz e expressividade vocal. As gravações em vídeo permitem esse tipo de análise com observação dos comportamentos não verbais dos profissionais de saúde. Importante ressaltar que o instrumento não possui juízo de valor e não tem a pretensão de tornar mecânica a interação médico-paciente. O intuito do instrumento é codificar as respostas dos profissionais de saúde e evidenciar quais favorecem a empatia e a exploração das emoções com provisão de espaço que não interrompam o paciente. A seguir, a Figura 1 exemplifica esses códigos.
Para facilitar a codificação, um estudo (Park et al., 2019) separou as respostas que possuem a função de provisão do espaço: empatia explícita ou implícita expressa (códigos EPAEm ou NPIm), indicando que o profissional de saúde tem uma compreensão da emoção do paciente; reconhecendo-a, perguntando sobre ela ou fornecendo empatia explícita (códigos EPAAc, EPAEx ou EPAEm); explorando a preocupação emocional, pedindo ao paciente mais informações, referindo-se geral ou explicitamente à emoção ou circunstância (códigos NPAi, EPAEx ou EPCEx); resposta referindo-se geral ou explicitamente à emoção ou circunstância (códigos NPAc, EPAAc ou EPCAc), e resposta passiva como o silêncio ou de reconhecimento não explícito (códigos NPSi, NPBc ou NPAc). As respostas com a função de reduzir espaço às verbalizações emocionais dos pacientes podem ser agrupadas como: respostas com informações ou conselhos logo após a expressão de preocupações emocionais do paciente (códigos NRIa, ERIa), e respostas que evitam ativamente a expressão emocional (códigos NRIg, NRSd, ERSw, ERAb).
A ferramenta tem sido aplicada em vários estudos clínicos que investigam como os médicos respondem às emoções dos pacientes em diferentes situações prognósticas, indicando que a maioria dos pacientes se comunicam através de pistas verbais menos explícitas. Em situações pré-operatórias, por exemplo, foi constatado que a taxa de ocorrência de emoções negativas em familiares e pacientes é muito maior quando comparada à maioria das conversas em outros ambientes médicos (Qian et al., 2022). Por outro lado, nota-se um avanço dos médicos quanto ao fornecimento de respostas empáticas e com provisão de espaço para que os pacientes se expressem da sua maneira, como no caso de médicos de família que tratam pacientes com doenças crônicas limitantes de vida (De Vleminck et al., 2022). No contexto oncológico, os médicos fornecem mais respostas empáticas ao pacientes que explicitam pistas emocionais como, por exemplo, o choro ou o silêncio, indicando sofrimento emocional (Romeiro et al., 2023).
Jenny Park e colaboradores utilizaram a ferramenta VR-CoDES para sequenciar a comunicação de médicos com pacientes acometidos pelo HIV, constatando que a comunicação emocional estava presente em 65 dos 91 encontros. A maioria das expressões emocionais foram classificadas como pistas (184/250, 74%) ao invés de preocupações (66/250, 26%). Por outro lado, os médicos eram mais propensos a se concentrar especificamente na emoção do paciente para preocupações versus dicas (ex., “Com o vírus, hum, eu não... eu gostaria de conhecer alguém, mas estou com medo”) (Park et. al, 2019). Outro estudo realizado na China (Yin et al., 2020), investigou a comunicação emocional em 102 consultas gravadas em áudio de 84 pacientes, identificando que as interrupções e as repetições do médico eram evidentes. As principais preocupações dos pacientes estavam relacionadas com o efeito do tratamento (22%), despesas (18%), risco da operação (14%) e dor (10%), evidenciando que os pacientes frequentemente expressavam pistas emocionais e os médicos reduziam espaço às expressões dos pacientes preferindo respostas de aconselhamento. Esses achados também foram confirmados em outro estudo em que médicos com níveis mais altos de preocupação empática responderam às emoções do paciente dando informações e conselhos, não explorando emoções ou proporcionando empatia (Park et al., 2020).
Na área da enfermagem, um estudo investigou a comunicação emocional de 33 enfermeiros e 48 pacientes idosos em 195 visitas domiciliares utilizando a codificação VR-CoDES. As respostas dos enfermeiros proviam espaço às expressões emocionais dos pacientes, explorando os desafios existenciais e o medo de perder os laços sociais. Por outro lado, os enfermeiros reduziam espaço às pistas de conteúdo fisiológico, como a dor (Hafskjold et al., 2018). Um estudo similar explorou a influência das características de enfermeiros e idosos na comunicação emocional em ambientes de cuidados domiciliares. Em 188 visitas domiciliares, a maior parte do sofrimento emocional era expressa por mulheres mais velhas ou por enfermeiras. Os idosos do sexo masculino tendiam a expressar menos o sofrimento emocional, o que representa um desafio para os profissionais reconhecerem as pistas subjacentes e a comunicação emocional pouco efetiva (Höglander et al., 2019). Um estudo (Sundling et al., 2020) comparou as respostas de enfermeiros que prestavam atendimento domiciliar a pacientes idosos na Noruega e na Suécia e identificou que o nível da comunicação centrada no paciente estava associado à maneira como os idosos expressavam seu sofrimento. A equipe de enfermeiros da Suécia mostrou-se mais empática e atenta às preocupações emocionais dos idosos do que a equipe da Noruega, evidenciando a necessidade constante de treinamento de habilidades de comunicação centradas no paciente nessa área de atuação.
Um estudo realizado no Brasil por Fernanda Romeiro et al. (2020) investigou a comunicação emocional utilizando a ferramenta VR-CoDES. A amostra foi composta por oito médicos e 12 pacientes adultos em tratamento para o câncer e as consultas de rotina foram gravadas em vídeo. Foram identificadas 349 pistas/preocupações nas 12 consultas, com média total de 29,25. Em geral, as pistas mais usadas pelos pacientes estavam relacionadas à pista subjacente de caráter fisiológico (ex., “Estou ficando mais magro por causa da doença” ou “Não estou me sentindo bem, tenho dor” ou “O conjunto da obra está em estresse”) e ao conteúdo usando metáforas (ex., “A dor me enfraquece” ou “Me sinto preguiçosa”). Os médicos respondiam mais com Aconselhamento Explícito (ERIa) (F = 104; 26,4%) e Não-Explícito (Ignorar) (NRIg) (F = 68; 17,3%) ambas com redução de espaço (ex., “Não, nada a ver. Isso aqui eu estou te explicando pra ti não ficar encucado com isso aqui”). Respostas de exploração da emoção foram pouco empregadas, indicando que essa sensibilidade exigia dos médicos muita concentração. A frequência de respostas empáticas a afetivas explicitam essas dificuldades, como a Exploração da Emoção (EPAEx; 0,3%), Empatia Ativa (EPAEm; 1,3%), Convite Ativo (NPAi; 1,3%) e Reconhecimento da Emoção (EPAAc; 1,5%).
O comportamento comunicativo dos médicos pode inibir ou facilitar a autonomia do paciente, pois algumas respostas mais diretivas e de orientação podem desviar das preocupações levantadas pelo paciente (Manalastas et al., 2020). As expressões emocionais nas primeiras consultas com os oncologistas são apresentadas por meio de pistas subjacentes, como sintomas, metáforas, expressão de incertezas e esperança (ex., “Não sei o que fazer…”; “O que acontece com mulheres com mesmo problema que o meu?”; “Preciso de tempo para processar esta informação…”). Também expressam emoções através de pistas não verbais, como chorar ou suspirar (“Então vou perder meu cabelo (choro)?”; Del Piccolo et al., 2019). O medo da recidiva de pacientes em tratamento para o câncer de mama evidencia que as emoções implícitas são expressas através de pistas de sintomas físicos, medo e incertezas quanto à eficácia do tratamento. Os médicos, por não reconhecerem essas preocupações, podem reforçar que os pacientes não expressem respostas explícitas de exploração das emoções na consulta (Humphris et al., 2018). Pacientes com câncer de cabeça e pescoço também expressam muitas preocupações aos cirurgiões durante as consultas de rotina. Consultas mais curtas sugerem que menos tempo é gasto pelos cirurgiões respondendo às suas preocupações ou construindo um relacionamento (Allen et al., 2018).
No contexto da oncologia pediátrica, a comunicação emocional foi avaliada a partir de 35 consultas que incluíram 30 crianças, 34 médicos, seis enfermeiras, e uma psicóloga. Os familiares incluídos no estudo eram predominantemente as mães. As crianças tinham, em média, 10 anos de idade, a maioria do sexo masculino e com tumores diversos. Na maioria das consultas (91%) foram identificadas pistas emocionais, em 40% preocupações emocionais explícitas dos familiares e em apenas 3% preocupações dos pacientes. O Aconselhamento Implícito (NRia) foi a resposta mais comum utilizada pelos médicos, reduzindo o espaço para expressão das emoções (Sisk et al., 2020).
A comunicação emocional no contexto do câncer pediátrico avançado é um desafio para os profissionais de saúde, pois os familiares verbalizam muitas pistas emocionais não explícitas e os médicos respondem com afirmações não carregadas de emoção (Sisk et al., 2020). Estes dados podem ser confirmados em outro estudo observacional que avaliou as principais características do diálogo entre médicos com pais e crianças em consultas relacionadas às condições fisiológicas do crescimento infantil na atenção primária pediátrica (Dicé et al., 2020). A maioria dos pais expressou preocupações explícitas e pistas com metáforas dramáticas e os médicos fornecerem respostas de redução de espaço. Já as crianças expressaram medos e ansiedades através de pistas não verbais, como o choro, e os médicos tendiam a ignorar a emoção ou mudar de assunto para evitar entrar em contato com suas próprias emoções (Dicé et al., 2020). Esses resultados evidenciam que, muitas vezes, as preocupações expressas pelas crianças são reconhecidas apenas se estiverem relacionadas ao conteúdo médico e não como indicativo de sofrimento psicológico. A comunicação pediátrica é fundamental para o manejo do tratamento, adesão, melhora dos sintomas, melhores respostas clínicas e gestão de questões psicossociais (Kohlsdorf e Costa Junior, 2016).
É comum que os pacientes com doenças crônicas expressem menos preocupações explícitas sobre a doença e o tratamento. Pacientes com esclerose múltipla também expressaram mais pistas (492) do que preocupações (45) em 88 consultas com seus neurologistas. Pistas subjacentes, como o uso de metáforas (pista b, 41%) e referências a eventos de vida estressantes (pista d, 26%), foram as mais comuns. Essas pistas estavam relacionadas com níveis elevados de ansiedade e depressão dos pacientes. Os neurologistas não reconheceram as expressões emocionais, reduzindo o espaço (mudar de assunto, não prestar atenção, dar conselhos médicos) em 58% das pistas e 76% das preocupações (Del Piccolo et al., 2015). O VR-CoDES também foi aplicado em consultas com farmacêuticos, considerando que os pacientes expressam muitas pistas emocionais em relação às terapêuticas medicamentosas (Eikenhorst et al., 2020). Diferente de outros profissionais de saúde, os farmacêuticos são capazes de responder às emoções negativas dos pacientes, utilizando de respostas mais explícitas e com provisão de espaço para obter um conhecimento mais aprofundado dos problemas dos pacientes. A expressões emocionais negativas também foram analisadas no contexto odontológico com 21 pacientes que, na maioria das vezes, experimentavam sentimentos negativos nas consultas e não verbalizavam. Esses dados reforçam a importância de os profissionais de saúde explorarem as emoções implícitas e questionarem mais os pacientes em consultas de rotina (Heyman et al., 2020).
Há um consenso sobre a necessidade de melhorar as habilidades de comunicação dos profissionais de saúde, especialmente dos que lidam com doenças crônicas, como o câncer, através de programas de treinamento e desenvolvimento de habilidades empáticas (Grosseman et al., 2022; Moura et al., 2019; Rogge et al., 2021). O treinamento de habilidades de comunicação pode orientar os profissionais de saúde a conhecerem quais são as pistas que indicam uma preocupação emocional e, assim, garantirem uma comunicação efetiva (Giroldi et al., 2020). Um estudo comprovou a eficácia de um breve programa de treinamento em habilidades relacionais e de comunicação utilizando a ferramenta VR-CoDES e um instrumento baseado no protocolo SPIKES para classificar dez habilidades de comunicação para dar más notícias, sendo elas: a) compreender a perspectiva do paciente; b) responder às pistas emocionais do paciente; c) explorar o que o paciente já sabe antes de dar a má notícia; d) transmitir informações passo a passo; e) explicar o diagnóstico e os sintomas; f) discutir alternativas de tratamento; g) planejar e orientar; g) oferecer parceria; i) verificar a compreensão/dúvidas; e j) sintetizar as informações e estabelecer um plano de acompanhamento (Barbosa et al,., 2019). Os residentes forneceram mais espaço para exploração de pistas e preocupações emocionais e também melhoraram em sete das dez habilidades de comunicação para dar más notícias, tais como a capacidade de entender a perspectiva do paciente e responder às pistas emocionais, explorando ativamente as ideias, preocupações, emoções, desejos, expectativas, impacto dos sintomas e do diagnóstico na vida do paciente, reconhecendo seus sentimentos e dando respostas mais empáticas. O treinamento de habilidade de comunicação emocional, baseado no VR-CoDES, também foi realizado com estudantes de medicina que classificaram a maioria das respostas de redução de espaço como inadequadas e respostas explícitas com provisão de espaço como mais adequadas e preferidas por eles (Graupe et al., 2020).
Pesquisadores avaliaram um treinamento no curso de psicologia médica, totalizando um período de 21 horas, com estudantes de medicina, utilizando a ferramenta para codificar respostas de profissionais de saúde em consultas clínicas na atenção primária. O treinamento envolveu discussão em pequenos grupos, dramatização, simulação, análise de vídeo, feedback, reflexão sobre as habilidades de comunicação, controle e manejo das emoções a partir do método “NURSE” (naming, understanding, respecting, supporting, exploring) traduzido como nomear, compreender, respeitar, apoiar, explorar). Em 74,6% das respostas, os estudantes usaram apenas uma resposta de “redução de espaço” ou de “fornecer espaço” às pistas e preocupações emocionais descritas pelos pacientes nas entrevistas. A maioria foi com Aconselhamento Explícito (ERIa): ex., “Você vai melhorar a pressão arterial gradualmente” após uma pista do paciente (ex., estresse familiar), o que reforça que médicos tendem a reduzir espaço e informar mais do explorar as emoções dos pacientes; Exploração de Conteúdo (EPCEx): ex. “O que você pode fazer de diferente para não ter mais essas dificuldades?”, o que revela que, em alguns momentos, fornecem espaço, mas apenas ao conteúdo da pista e não à emoção implícita, e o Reconhecimento de Conteúdo (EPCAc), evidenciando que respostas de reconhecimento afetivo e empáticas são pouco utilizadas (Ortwein et al., 2017).
Treinamentos que promovem as habilidades de comunicação centradas no paciente tem se mostrado efetivas (Maatouk-Bürmann et al., 2016). A empatia dos enfermeiros também pode ser melhorada através de treinamento de habilidades de comunicação para que facilitem a expressão das emoções de pacientes com câncer (Razavi et al., 2002), assim como demais profissões da saúde (dentistas, nutricionistas, psiquiatras, dentre outros). O ensino das habilidades de comunicação deve estar baseado na escuta ativa e nas respostas empáticas às preocupações de pacientes como uma premissa central da educação em saúde (Mazzi et al., 2013). O treinamento das habilidades durante a formação acadêmica de enfermagem indica melhorias na provisão das informações e comunicação empática, confirmando sua eficácia (Cannity et al., 2021). Além disso, o treinamento para profissionais de saúde que atuam em hospitais melhora a autoeficácia, aumenta a percepção da importância das habilidades ensinadas, necessitando ser contínuo e estimulado entre as equipes de saúde (Wolderslund et al., 2020).
Embora os programas de treinamento de habilidades de comunicação em saúde se mostrem eficazes, para melhorar a comunicação dos profissionais de saúde e ampliar o reconhecimento de expressões emocionais dos pacientes, a literatura aponta lacunas nos estudos que determinem por quanto tempo os efeitos dos treinamentos permanecem nas condutas clínicas (Moore et al., 2018). A falta de treinamentos durante a formação acadêmica que oportunizem estudantes da área da saúde a ampliarem suas habilidades clínicas, éticas e de comunicação empática, são desafios descritos pela literatura (Ferrández-Antón et al., 2020; Rocha et al., 2019). Nesse sentido, torna-se necessário que as escolas médicas incluam o ensino do profissionalismo em sua matriz currícular com o objetivo de garantir que as próximas gerações de médicos estejam preparadas para uma prática profissional compassiva, humanista e ética, voltada aos interesses da sociedade em um mundo com demandas cada vez maiores e em constante transformação (Cruz et al., 2023).
Este estudo apresentou a ferramenta Verona Coding Definitions of Emotional Sequences (VR-CoDES), que codifica sequências emocionais na interação profissional de saúde-paciente com o objetivo de avaliar a comunicação emocional, considerada como um desafio em diversas pesquisas. A identificação de pistas e preocupações emocionais permite aos profissionais fornecerem espaço aos pacientes para maior compreensão dos sentimentos expressos nas consultas clínicas. A ferramenta possui traduções em inglês, alemão, italiano, português e chinês, o que permite que estudos sejam reproduzidos para avaliação da interação dos profissionais com os pacientes a nível nacional e internacional. Uma ampla gama de estudos já utilizou a ferramenta em diferentes áreas da saúde, sendo a maior parte deles realizado na oncologia, psiquiatria, oftalmologia, enfermagem e odontologia. Os contextos mais explorados são as doenças crônicas, como o câncer, HIV, esclerose múltipla, dentre outras. A ferramenta utilizada para codificar as interações dos profissionais de saúde com os pacientes permite orientar os profissionais e educadores de saúde para o aumento de habilidades empáticas e redução das expressões comumente usadas que não contribuem para a comunicação assertiva. Além disso, a ferramenta permite uma análise avançada da interação para auxiliar na diferenciação entre respostas e servir para o treinamento de habilidades de comunicação na entrevista com o paciente, facilitando as expressões negativas, dúvidas e reforçando a adesão às terapêuticas.
Os profissionais de saúde tendem a responder a expressões emocionais dos pacientes com respostas de redução de espaço, aconselhando, informando ou ignorando as pistas emocionais. A literatura evidencia que essas reduções nas respostas podem gerar prejuízos para a saúde psicológica dos pacientes, aumentando os níveis de ansiedade, depressão e sentimentos negativos, como a angústia e o medo. A comunicação é uma habilidade clínica fundamental na área da saúde que tem impacto na satisfação e adesão do paciente às terapêuticas, na qualidade da interação e no suporte emocional oferecido para exploração dessas preocupações. O estudo forneceu evidências de como os pacientes em diferentes condições clínicas expressam pistas subjetivas e como os profissionais de saúde respondem às emoções. Além disso, apresentou lacunas e desafios em relação aos treinamentos de habilidades de comunicação para os profissionais de saúde. Os treinamentos devem incluir a comunicação emocional como uma habilidade importante a ser desenvolvida para que os profissionais reconheçam as emoções dos pacientes e ofereçam um cuidado integral à saúde.
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Zimmermann, Christa; Del Piccolo, Lidia; Bensing, Jozien; Bergvik, Svein; Haes, Hanneke De; Eide, Hilde & Fletcher, Ian (2011). Coding patient emotional cues and concerns in medical consultations: The Verona coding definitions of emotional sequences (VR-CoDES). Patient Education and Counseling, 82(2), 141-148. https://doi.org/10.1016/j.pec.2010.03.017
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FERNANDA BITTENCOURT ROMEIRO
Psicóloga, Doutora e Mestre em Psicologia Clínica na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS/Brasil. Professora Assistente na Faculdade de Tecnologia SENAI de Porto Alegre/Brasil.
romeiro.fernanda@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5195-4603
ELISA KERN DE CASTRO
Professora de Psicologia na Escola Superior de Saúde e Ciências Egas Moniz (Portu-gal) e psicóloga clínica. Doutorado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universi-dade Autônoma de Madrid (Espanha) e Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil).
elisa.kerndecastro@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-1290-7561
MARY SANDRA CARLOTTO
Psicóloga; Doutora em Psicologia Social (Universidade de Santiago de Composte-la/Espanha). Professora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia na UnB – Bra-sília.
mscarlotto@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-2336-5224
FORMATO DE CITACIÓN
Romeiro, Fernanda Bittencourt; Castro, Elisa Kern de & Carlotto, Mary Sandra (2024). Comunicação Emocional em Saúde: Apresentando a Ferramenta de Codifica-ção de Verona de Sequências Emocionais (VR-CoDES). Quaderns de Psicologia, 26(1), e1972. https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1972
HISTORIA EDITORIAL
Recibido: 10-10-2022
1ª revisión: 31-10-2023
Aceptado: 29-01-2024
Publicado: 03-04-2024